PARA LÁ DA SEDA

Há petiscos aos quais é díficil resistir. Pessoalmente gosto de um bom marisco. Adoro mesmo. Mas há coisas que passam para além do sabor próprio e que vão até à sensação imaginada. Vale a pena pagar mais por um arroz de marisco com este descascado do que dar menos e depois metade ficar lá porque a faca e o garfo não são certamente os instrumentos ideais para usufruir do marisco. Digo eu, que já quando falo de uma travessa de camarão não posso deixar de verificar que o ritual se sobrepõe à fome e acaba por dar mais prazer. A mim, o que me dá pica é descascar o camarão, paciente ou impacientemente, aguardar até à "estocada" final. Parece que sabe mal tirá-lo já descascado de uma travessa e comê-lo sem reflectir...sem esperar...sem desesperar que esteja pronto. Há quase algo de erótico em tirar um caracol da sua casca com um palito e comê-lo...o que não acontece ao ver o pobre rastejante despido de armadura embebido em molho quase a suplicar de tanta vergonha e impessoalidade...é por isso que gosto de comprar nozes com casca e perder uma hora a descascar uma a uma e a comê-las uma a uma...num gesto repetido de emoção a imaginar se a próxima será melhor que a primeira, ou se, pelo contrário, estará podre...é a espera que desespera que dá mais gosto quando finalmente chega...porque como seres humanos que somos, o que nos distingue dos outros animais é a capacidade de imaginar...de supor...que nos leva a inventar...

Porque enquanto imaginamos, a sede de ver como é transforma um simples corpo em algo verdadeiramente desejável, e quando a travessa já aparece descascada não há ânsia de provar para ver como é...